Notícias do Timor-Leste

Dr. Jaime de Carvalho Leite Filho

Dr. Jaime de Carvalho Leite Filho

“De acordo com o estipulado no acordo de cooperação para fortalecimento do sistema de justiça da República Democrática do Timor Leste, pactudado entre a República Federativa do Brasil e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), assinado em 30 de agosto de 2006, os defensores brasileiros em exercício no Timor Leste poderão atuar em duas frentes: treinamento dos defensores locais, e/ou atuação na linha de frente, na função típica de defensor público.

No âmbito da capacitação, o treinamento pode ser realizado diretamente no Centro de Formação Jurídica, ou, internamente, na própria Instituição, durante o expediente normal de trabalho, ocasião em que os defensores nacionais e internacionais conversam sobre os casos ou discutem alguma matéria específica. Considerando, ainda, que a defensoria do Timor Leste está em fase de estruturação, o conceito de capacitação pode abranger também funções estratégicas, tais como corregedor e assessoria institucional ao Defensor Público-Geral.

O defensor público internacional, em sua atuação no Timor-Leste, pode praticar todos os atos inerentes ao cargo, tais como: audiências, atendimento ao público, confecção de peças, conciliações, enfim, atuação muito semelhante à exercida no Brasil, pela segunda categoria.

No início de minhas atividades em Timor, o exercício estava concentrado nas funções típicas de defensor. Basicamente, realizava atendimento ao público, assim como participava das audiências no Tribunal. Atualmente, além das funções inerentes ao cargo, os defensores brasileiros, em conjunto, ministram a disciplina de Direito Civil, no Centro de Formação Jurídica. Essa instituição vinculada ao Ministério da Justiça tem papel muito importante na formação da cultura jurídica timorense, já que todos os advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público e magistrados devem, obrigatoriamente, ser aprovados no curso de formação antes do exercício de suas atividades.

Durante esse primeiro ano de trabalho, os desafios foram vários. Talvez o mais importante tenha sido a compreensão da língua local, o tetum. Nos tribunais, durante os julgamentos, são providenciados tradutores/interprétes, porém, na maioria das vezes, a tradução não é realizada com o rigor necessário, resultando, as mais das vezes, num grande prejuízo para compreensão integral daquilo que foi dito pelas partes, testemunhas, etc. Embora as leis sejam redigidas em português, a maioria esmagadora da população não fala e nem compreende o idioma, mesmo sendo uma das línguas oficiais.

Outro grande desafio enfrentado consistiu na adaptação ao sistema jurídico vigente. Por exemplo, o Código de Processo Penal estipula que o inquérito policial seja sigiloso, de modo que a defesa somente tem acesso aos autos após o início do procedimento judicial. Outra norma que causa espanto é a que prevê a possibilidade de ser nomeada “pessoa idônea” (sic) para a realização da defesa técnica no curso do processo penal. Isso mesmo, se o defensor, por qualquer motivo, não comparecer ao ato, o juiz pode nomear pessoa, sem habilitação em direito, para a realização da defesa do acusado. Essa norma, mesmo sendo flagrantemente inconstitucional, e, contrária a todos os pactos de defesa dos direito humanos, ainda é aplicada pelas cortes timorenses.

Importante frisar que a legislação formal em vigor no Timor Leste, embora proveniente das Instituições competentes (Parlamento), foi, quase na sua integralidade, copiada de Portugal. Assim, há evidente falta de legitimidade, assim como déficit democrático na sua representatividade do povo timorense. A situação é similiar ao ocorrido no Brasil, logo após a independência, sendo certo que, ao longo do tempo, caberá à República Democrática do Timor Leste revisar a legislação, adequando-a à realidade local.

Por fim, necessário ainda informar aos colegas que a vida em Dili é muito agradável. Dili, a capital, é repleta de restaurantes, supermercados, farmácias, lojas, bares, etc. Tem um shopping center, no qual se encontram três novas salas de cinema, além de uma praça de alimentação. Existem atualmente três companhias de telecomunicações, provendo telefonia celular e acesso à internet. Pelo menos três escolas interacionais estão em funcionamento em Dili. Quatro empresas aéreas ligam o Timor Leste a Bali(2), na Indonésia, Cingapura(1) e Austrália(1). Além disso, as belezas naturais podem ser vistas ao longo de todo o país. Praias, montanhas, cachoeiras, reservas ecológicas, etc. O povo timorense, cordial e gentil, identifica-se muito com o brasileiro, principalmente na música e no futebol. São alegres, mesmo diante de um passado recente de muita luta, e demonstram muita vontade em construir uma nação forte e pacífica. Para mim, está sendo uma honra participar desse projeto de cooperação.

Para maiores informações acesse o sítio eletrônico alimentado pelo colega André Castanho Girotto, defensor público do Rio Grande do Sul em missão em Timor:

http://www.defensorianotimorleste.blogspot.com.br/ “

Defensor Público Federal Jaime de Carvalho Leite Filho

Anotações sobre o Timor

Dra. Tatiana Siqueira Lemos

Dra. Tatiana Siqueira Lemos

“O sistema de Justiça do Timor é uma cópia imperfeita do sistema português que se destaca pelo positivismo irrefletido. Para nós brasileiros que estamos acostumados a atuar em um sistema garantista, onde os preceitos constitucionais da presunção de inocência, da ampla defesa e a imparcialidade do julgador são invioláveis é um grande susto passar a atuar em um sistema onde o juiz é o inquisidor. As garantias constitucionais a que nos apegamos tanto nas defesas, aqui não tem coro.

Dificulta ainda mais a atuação a falta de um Tribunal Constitucional. Enquanto não instalada a Suprema Corte do Timor o segundo grau é quem acumula suas competências. A princípio não parece trazer maiores problemas, mas quando se tem que recorrer da decisão de um Tribunal para o mesmo Tribunal, decisões taxando os recursos de repetitivos são inevitáveis quando os julgadores são os mesmos…

O nosso Fórum ou Justiça de primeiro grau, no Timor chama-se Tribunal Distrital e os julgamentos podem ser singulares ou coletivos. Os julgamentos singulares são para os casos simples, o que no cível são os com valor da causa até U$5.000 (cinco mil dólares) e no crime aqueles com pena abstrata máxima menor que 5 anos. Nos coletivos a composição quase sempre incluí um Juiz português que também estão aqui, em cooperação para capacitação dos juízes timorenses.

O talvez mais grave empecilho ao exercício da ampla defesa já se apresenta no início da persecução penal. Os procedimentos acusatórios quando em fase pré-processual são sigilosos – a pessoa não sabe sobre o que está sendo investigada, e sua defesa técnica não tem acesso às provas produzidas até o recebimento da denúncia.

Para os presos em flagrante há a previsão de uma audiência de primeiro interrogatório em até 72 horas, onde será decidido sobre a manutenção da prisão ou não. E nesta audiência, até o tipo penal que está sendo imputado ao assistido é sigiloso.

O fato da pessoa acusada não ter direito de saber quais as provas existem contra si, agravado pelo fato da defesa técnica não ter acesso aos autos antes do recebimento da denúncia, acarreta no absurdo de se fazer audiências às cegas, onde o arguído já preso, presta declarações sem saber ao certo do que está sendo acusado, enquanto a defesa o acompanha em audiência também sem saber do que se trata o feito e por consequência qual seria a linha de defesa a seguir – assim, não espanta o inquirido confessar um delito que não é o investigado naqueles autos.

E assim seguimos, perplexos, tentando driblar o sistema vigente para tentar fazer valer os direitos dos cidadãos timorenses por nós assistidos.”

Texto de autoria da Defensora Tatiana Siqueira Lemos,

atuante no Timor-Leste.

Defensora Pública Federal participa de projeto no Timor-Leste

Dra. Tatiana Siqueira Lemos

Dra. Tatiana Siqueira Lemos

A Dra. Tatiana Siqueira Lemos, do 12º Ofício Superior Criminal Militar, está no Timor-Leste, participando do Projeto de Cooperação Técnica na Área da Justiça e colaborando com o aprimoramento da Defensoria Pública timorense, a primeira de todo o continente asiático.

Após os revezamentos de seis Defensores Públicos Federais, a Dra. Tatiana cumpre a atual missão, residindo em Díli, capital, onde as línguas oficiais são o Português e o Tétum.

A cultura do Timor-Leste reflete inúmeras influências, incluindo de Portugal, da tradição Católica Romana, e da Malásia, sobre as culturas indígenas austronésicas melanésias e de Timor. O artesanato, especialmente a tecelagem de lenços tradicionais, está presente em todo o  país.

Apesar do analfabetismo generalizado, outra característica que chama muito a atenção, é a forte tradição em poesia, ponto em comum entre a Dra. Tatiana e os nativos.